
"Explorar e tentar responder às perguntas das crianças sobre a morte é muito melhor
do que permitir que medos mágicos e não explicitados atuem em sua imaginação."
Wilma da Costa Torres
A criança enlutada
1 – Preciso mesmo falar sobre a morte de alguém com a criança?
2 – Como contar que alguém querido morreu?
3 – E se quem morreu foi o pai ou a mãe dessa criança?
4 – Em que idade a criança começa a compreender o que significa a morte?
5 – O que dizer quando ela pergunta: Por quê?
6 – Como ajudar a criança enlutada?
7 – Posso chorar na frente da criança?
8 – Como proceder nos velórios, enterros e demais rituais?
9 – Posso usar expressões como “o vovô vai dormir para sempre”; “a vovó foi fazer uma longa viagem” ou “a mamãe virou uma estrelinha”?
10 – A morte é um tema que deve estar sempre presente? Devo aproveitar todas as situações para falar de morte com a criança?
1 – Preciso mesmo falar sobre a morte de alguém com a criança?
Sim. Ela também precisa fazer seu luto, tal como os adultos. Você não estará protegendo a criança impedindo-a de lidar com a morte, uma vez que ela é inevitável e as experiências de perda fazem parte do crescimento de qualquer ser humano, independente da idade. Além disso, evitar o assunto pode levar à perda da confiança nos adultos e à sensação de que se está sendo excluída da família. Lembre-se de que as crianças conseguem sim lidar com situações muito negativas como a doença e a morte, desde que se sintam acolhidas e em um ambiente seguro para expressar seus sentimentos.
2 – Como contar que alguém querido morreu?
Sendo honesto, verdadeiro e usando uma linguagem clara e adequada à idade da criança. Deve-se criar um ambiente de acolhimento e segurança. É importante, também, que a criança ouça a verdade de pessoas em quem confie.
3 – E se quem morreu foi o pai ou a mãe dessa criança?
A morte de um dos pais provoca, geralmente, grande impacto na criança. Entretanto, novamente, esconder o fato traz mais malefícios e nenhum benefício. Seja claro, use palavras acessíveis a ela e dê-lhe tempo e segurança para que processe a informação e expresse seus sentimentos e dúvidas.
4 – Em que idade a criança começa a compreender o que significa a morte?
A noção de desaparecimento está presente em qualquer idade, embora varie ao longo das etapas do desenvolvimento. De maneira geral, podemos dividir assim:
0 a 2 anos: Quando ocorre uma morte na família, a criança irá procurar pela pessoa e experimentar uma sensação de perda.
3 a 5 anos: A criança nesta fase de desenvolvimento compreende a morte como um fenômeno temporário e reversível. Como entende a linguagem de modo literal e concreto, é importante que se utilize a linguagem simples e que se use a palavra “morreu, evitando eufemismos. Devido a um predomínio do pensamento mágico (imagina que seus pensamentos podem se tornar realidade) e egocêntrico (tudo o que acontece está relacionado a ela), pode ficar muito angustiada diante da morte de alguém próximo. Por isso é importante que se abra um espaço onde se sinta segura para expressar usas dúvidas e sentimentos.
6 a 9 anos: Nesta fase de desenvolvimento, a criança já entende que a morte tem uma causa e tentará compreendê-la. Entende, também, que ela é definitiva e permanente. Demonstra curiosidade a respeito dos rituais.
10 anos até adolescência: Nesta fase de desenvolvimento, a criança compreende a morte como inevitável, universal e irreversível. Pode elaborar teorias a respeito da morte de ordem natural, fisiológica, teológica e existencial. Por causa da onipotência característica dessa fase, pode apresentar comportamentos de risco para “testar” a morte
5 – O que dizer quando ela pergunta: Por quê?
Devemos começar explicando que morte é um processo natural que faz parte da vida de todos os seres vivos. Depois, falamos das razões pelas quais aquela morte específica aconteceu (doença, acidente, envelhecimento). Sempre dê espaço para que a criança coloque suas dúvidas. É importante ressaltar, especialmente com crianças entre 3 e 8 anos, que a morte não foi resultado de seus pensamentos ou ações, uma vez que o pensamento mágico (o que eu penso se torna realidade) e as confabulações são frequentes nesse período.
6 – Como ajudar a criança enlutada?
Crie um espaço seguro para que todos, incluindo os adultos, possam expressar suas dúvidas, inseguranças, emoções e sentimentos Responda às suas perguntas com sinceridade, utilizando linguagem simples e observando seu nível de desenvolvimento. Seja gentil ao permitir que a criança repita a mesma pergunta várias vezes. Cada um de nós precisa de um tempo (que é individual) para se reorganizar diante de uma perda. Se a perda sofrida causar impactos na rotina da criança, converse com ela buscando resgatar a segurança perdida com as mudanças. Esteja atento, também, às mudanças de comportamento (que podem não ser imediatas). Alterações de sono, apetite, humor, dificuldades escolares e de relacionamento, enurese, entre outros, podem ser expressões do luto vivido pela criança. Sugira caminhos para que a criança possa lembrar-se da pessoa que morreu. Vocês podem usar desenhos, cartas, ou outro recurso que faça sentido para ela.
7 – Posso chorar na frente da criança?
É claro que pode! Isso demonstra à criança que é normal sentir-se triste, inclusive autorizando-a a demonstrar seus sentimentos também. Além de ser uma forma de “normalizar” seus sentimentos, dá-se à morte uma dimensão de universalidade: estamos todos tristes.
8 – Como proceder nos velórios, enterros e demais rituais?
Primeiro informe à criança como será o ritual de despedida, contando-lhe tudo o que irá presenciar. Depois questione se ela quer ou não participar. Se ela quiser, deixe-a participar! Esteja atento às necessidades da criança durante os rituais: caso ela queira ausentar-se, isso deve ser permitido.
9 – Posso usar expressões como “o vovô vai dormir para sempre”; “a vovó foi fazer uma longa viagem” ou “a mamãe virou uma estrelinha”?
O grande problema dessas expressões são as associações que a criança pode fazer com elas. Dizer que o “vovô vai dormir para sempre” gera uma relação morte/sono que poderá trazer medos da noite, do escuro, de dormir, etc. Dizer “foi fazer uma longa viagem” pode gerar inseguranças em relação a viagens, deslocamentos e ausências (até porque, quem viaja, regressa). Dizer à criança que a “mãmãe virou uma estrelinha linda que irá cuidar dela do céu”, pode causar fortes sentimentos de abandono principalmente quando o céu ficar encoberto e ela não puder ver as estrelas. Falar que “Deus levou o papai para junto de si” pode também causar confusão, afinal, se Deus é bom, porque faria isso? Não podemos esquecer que, em determinadas idades, a criança faz uma leitura literal das palavras, então o melhor é evitar metáforas e ser direto e afetuoso. A dificuldade de usar a palavra “morte” ou “morreu” é dos adultos, não da criança.
10 – A morte é um tema que deve estar sempre presente? Devo aproveitar todas as situações para falar de morte com a criança?
Não. A criança é que irá nos sinalizar se o assunto é relevante para ela no momento ou não. Por isso precisamos estar atentos para esclarecermos na medida da sua curiosidade e necessidade.